quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Essa é a minha história: A rachadura


"Para esclarecer um ponto da história, você precisa saber que os meus pais me chamavam de Betsy, um apelido para o meu nome do meio, Elizabeth. 

O fim para nós, como uma família, chegou ao final do verão de 1973, o qual seria a nossa última viagem de acampamento juntos.

Dava para sentir o fim chegando. Nossos acampamentos já nos levaram a noites em claro e gloriosas viagens de duas semanas ao Canadá, mas nos últimos, nós só chegamos até uma propriedade de um amigo de meu pai, em Michigan. A pescaria até que era boa por lá, mas já não era tão divertido e excitante como antes.

Depois que o desânimo do acampamento de 1973 passou, minha mãe sugeriu uma viagem de fim de semana para Acres Amish, no norte de Indiana. Eu não me lembro daquele final de semana em particular, apenas tenho memória da foto que minha mãe tirou de nós, alinhados e encostados no carro, depois de termos colocado as malas de volta no carro para irmos para casa. 


"Foi quando eu soube que era o fim" minha mãe disse depois, apontando para a foto que retratava três adolescentes mal-humorados e um homem velho com aparência confusa.

Pai está em seu uniforme usual azul claro de poliéster, uma camisa branca de manga curta e um boné de aba larga. À sua esquerda está Andy, 18, em jeans e uma variedade de listras à la Beach Boys em sua camiseta. Mechas de uma franja escura e grossa atravessavam seus óculos, atrapalhando um pouco sua visão. David, 17, é mais difícil de descrever. (Estou fazendo essa descrição de memória, porque a foto está na casa de minha mãe, na Flórida). Ele deve estar usando jeans, botas surradas, uma camiseta. O que eu vejo claramente são seus espessos óculos e seu cabelo castanho e volumoso enrolando sobre o colarinho. Enquanto Andy se esforça para parecer um surfista, David faz mais o tipo rock-and-roll.

À esquerda de David estou eu, no auge dos meus 16 anos. Estou vestindo o uniforme que adotei depois de assistir "Billy Jack" inúmeras vezes, que é uma calça boca de sino jeans e uma camisa grande de cambraia, para fora da calça. No meu pulso tem uma pulseira de couro grossa (elas eram grossas para proteger seus pulsos caso você entrasse em uma briga de faca). Meu cabelo é tão espesso quanto o de David, só mais vermelho e tão longo que chega quase até a cintura. Na minha testa, uma tira de couro fina amarrada. Eu me visto o máximo como uma hippie que minha mãe permite.

Essa viagem de acampamento, em que não havia nada a fazer a não ser comprar a manteiga de maçã na loja de Amish, foi o fim de nossas tentativas de fazermos qualquer coisa juntos. A partir de então, nós apenas tentamos sobreviver um ao outro.

Quando nos tornamos adolescentes, o nível de decibéis na casa aumentou consideravelmente. Minha vitrola competia, incansavelmente, com o som estéreo da família. Dave e Andy mudaram para outro quarto. Além disso, Dave começou a tocar numa banda de rock que, às vezes, praticava no porão. Andy tinha sido matriculado em uma escola particular de alto nível e vivia estudando, o que, de alguma forma inexplicável, também era um processo barulhento. Andy passou e exortou em seu estilo de fala estranha. Mãe berrou da cozinha, ajustando seus decibéis para alcançá-lo, enquanto ele andava de um lado para o outro no corredor. Isso tirava meu pai do sério. Pai tinha esperanças de Andy seguir carreira de advogado, mas essas declamações vacilantes de Andy revelavam, para ele, sua total falta de talento para os tribunais.

Como a família havia mudado! Nós não éramos mais aquelas pessoas que se apertavam no carro, ansiosos para fazermos alguma coisa divertida juntos. Agora Mãe só trabalhava, chegava em casa, fazia o jantar, e assistia a um pouco de TV ou, às vezes, costurava alguma coisa. Dava quase para ouvi-la dizer "Eu não posso fazer nada com essas pessoas", e virar sua atenção para outra coisa. Pai não era mais o mesmo também. O staccato de sua digitação matinal, que vinha de seu escritório no porão, parou de encher a casa.

Durante os meses seguintes, Pai apresentava seus diferentes lados: às vezes o velho brincalhão, com mais frequência o homem desaparecido, alternando com o sargento irritado. Eu já não o acompanhava em seus passeios; eu chamava a atenção dos homens agora. Ele fez novos amigos saindo com os "Old Dogs", o seu quarteto da barbearia, e também através de Joe, o encanador, e um ex-Hari-Krishna. Às vezes, ele arrastava a minha mãe com ele à noite, para beberem em algum novo bar em Carmelo.

Durante o fim do inverno de 1972 até a primavera de 1973, meu pai desenvolveu um padrão de eleger um determinado problema, fixar-se a ele e perseverar até que o mesmo fosse resolvido à sua maneira. Vou explicar: num episódio que envolveu os gatos, o Beowulf e o Thomas de Aquino, eu até hoje não sei o que aconteceu, mas meu pai cismou com eles por alguma razão e, num belo dia, os colocou no carro e essa foi a última vez que os vi. Mas o que me fez ficar contra ele foi o episódio da letra B. Meu namorado Bob e eu mergulhamos nas lixeiras de Nora Springs para pegar aquela letra. "B de Bob, B de Betsy," ele disse quando me presenteou com a letra que achamos. Eu a pendurei na parede do meu quarto, ao lado da janela. Meu pai decidiu que isso era um problema e, mesmo mantendo a porta do meu quarto fechada, para que a visão da letra B pendurada não o incomodasse, ele não parou de me perturbar sobre o assunto. Finalmente eu entreguei a letra B ao meu pai, e a mesma teve o mesmo destino dos gatos.


Um dia antes do final do verão de 1973, pai chegou em casa com um velho Cadillac dourado, tão grande quanto um barco. Ele deve ter comprado com um de seus amigos. Era muito maior, mas não mais estranho do que algumas de suas aquisições, que ele trazia para casa naquela época. Mal comprou o Cadillac, ela bateu com o carro. O Cadillac foi rebocado até a nossa garagem e meu pai, ao Hospital San Vicent. Minha mãe ligou para nós três para dar a notícia. Deve ter sido a coisa mais difícil que ela já teve que fazer.

Ela nos disse que ele tinha bebido, pois eles estavam mantendo-o na “ala dos alcoólatras".

Entramos no carro, chegamos ao hospital, fomos da enfermaria, cheia de homens cinzentos em roupões de banho, para o nosso homem cinzento em roupão de banho particular, Não me lembro de nada do que foi dito naquele dia.

Depois ele se mudou para o Motel Carmelo. Quando ele voltou para casa, duas semanas mais tarde, trouxe consigo um balde plástico de gelo do motel, nos matando de vergonha. Por que ele quis trazê-lo pra casa? Ele levou o balde para sua cama. Nós paramos de fazer barulho na casa. A banda não ensaiou mais. Seu diagnóstico de alcoólatra se transformou num diagnóstico de maníaco-depressivo. Meus irmãos se mantinham tão longe quanto podiam, assim como eu. Como Mãe conseguiu nos juntar no final do verão para aquele último acampamento, ainda é um mistério para mim.

Naquele outono, Dave seguiu os passos de Andy até a faculdade. Mãe se ocupou de todo tipo de trabalho e evitava a todos nós. Eu fui para o segundo grau e trabalhava no quiosque Can-Do no shopping, e saía à noite com os meus novos amigos hippies de Indianapolis.

O fim do fim, anunciado por aquela foto de acampamento, havia chegado. Como uma família nós estávamos liquidados. Eu estava livre para ir."

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