segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Essa é a minha história - por Ignez Madrid


Essa é a história de Ignez Madrid, aos 18 anos de idade. Confira!

"Aos 17 anos meus pais passaram por uma separação muito dolorosa, que acabou respingando em mim e em minha irmã, que na época tinha 20 anos.
Eu e minha irmã sempre fomos muito diferentes, personalidades quase opostas, e sempre fomos muito amigas.  Ela sempre foi muito racional, observadora, e introspectiva. Eu, por outro lado, era a irmã passional, aventureira e extrovertida. Durante nossa adolescência eu namorei muito mais, saí muito mais, me diverti muito mais e, certamente, cometi muitos mais erros.
Um dia, saindo da praia, nós conhecemos dois rapazes estrangeiros na faixa de seus 20 anos, que logo descobrimos serem franceses. Como eu e minha irmã falávamos Francês muito bem (nosso pai era Francês), conversamos um pouco enquanto esperávamos o ônibus para casa. A conversa estava muito animada. Um dos rapazes se encantou pelo meu jeito e o outro, pelo da minha irmã. Nos convidaram, então, para passarmos o final daquele dia com eles, visitando alguns pontos turísticos. Obviamente minha irmã disse que não, e eu que sim, mas, depois de uma rápida discussão em Português, ela concordou em me acompanhar.
Passamos um dia maravilhoso, muito divertido. Fiquei feliz de ver que minha irmã se divertia também.  Estávamos em plena sintonia, os quatro jovens, e marcamos de beber um chopp e sair para dançar naquela mesma noite.  Fomos para casa, eu e minha irmã, e os rapazes voltaram ao hotel onde estavam hospedados. À noite nos encontramos novamente e nos divertimos mais ainda do que durante o dia. Com tudo convergindo a nosso favor, eu me senti completamente apaixonada por um dos rapazes e acredito que recíproca era verdadeira.
No dia seguinte eles voltariam para a França, então trocamos telefones, nos despedimos e voltamos para casa (não que eu quisesse que a noite tivesse terminado dessa forma, mas por pura insistência da minha irmã).
Para minha surpresa, no dia seguinte recebi uma ligação do rapaz que estava apaixonada, dizendo que seu amigo havia embarcado, mas que ele não foi porque estava apaixonado por mim e não queria voltar ao seu país sem mim. Lembro como se fosse ontem a sensação maravilhosa de adrenalina que senti, que só as pessoas com espírito aventureiro sabem como é.
Dois dias depois eu embarquei com ele rumo à Paris. Não avisei a ninguém, simplesmente fiz minhas malas, peguei meu passaporte, e viajei. Durante o voo passei muito mal, acho que de nervoso por estar praticamente fugindo, largando minha mãe e minha irmã sem ao menos ter me despedido. Hoje sei que aquilo foi uma fuga pra mim, fuga da situação insustentável que tínhamos em casa após a separação dos meus pais. Eu não mencionei antes, mas minha mãe ficou muito deprimida com a separação, a ponto de não querer tomar banho, nem sair da cama, de forma que eu e minha irmã passamos a cuidar dela e de toda a estrutura da casa. Claro que já éramos moças e deveríamos saber cuidar de uma casa, mas sempre tivemos empregados, motorista, nunca tivemos que nos virar sozinhas de verdade até então.
Assim que chegamos em Paris, liguei para casa e avisei para minha irmã que havia decidido mudar de vida, que estava apaixonada, e que não pretendia voltar tão cedo. Pedi que avisasse a nossa mãe. Lembro que ela ficou muito triste, mas eu tinha toda uma nova vida para começar a viver, e não queria me preocupar com isso.
Passamos algumas horas em Paris e depois fomos a uma cidade bem menor, para a casa do meu amor. A cidade era linda, limpa, organizada, e eu me senti num filme, mesmo já tendo viajado para muitos países diferentes antes.
A onde meu amor morava era muito charmosa, mas fiquei um pouco decepcionada quando percebi que ele não morava sozinho, como havia me dito no Brasil. Na verdade, a casa não era nem dele, mas de uma família composta por uma senhora, um senhor (marido dela), o filho deles, que devia ter 20 e poucos anos e se vestia todo de preto. Perguntei a ele sobre aquela situação, e ele me disse que a casa era de seus pais adotivos, que o criaram junto com seu filho biológico, o tal cara que se vestia de preto. Achei estranho o fato dele não ter mencionado isso para mim no Brasil, e nem tampouco no longo voo que tivemos juntos, mas logo me distraí com minha vida nova. Meu amor me prometeu que aquela situação seria temporária, e que dentro de algumas semanas estaríamos morando numa casa só nossa.
Eu e a dona da casa nos dávamos muito bem. Eu a ajudava com as tarefas de casa durante o dia, ela me ensinava a fazer patchwork, que era uma de suas paixões. Seu marido trabalhava o dia inteiro e o filho biológico deles só aparecia em casa de vez em quando, dormia muito, comia um pouco, e sumia por mais alguns dias.  Assim foram passando os dias. Eu não fazia mais nada além de sonhar com a nossa casa e nossa vida juntos.
Numa manhã, acordei com os gritos de uma mulher e, apavorada, fui andando devagar até a sala. O que vi foi o cara de preto batendo numa mulher de cabelos loiros. Fiquei apavorada! Ao mesmo tempo em que tive o ímpeto de defendê-la, morri de medo daquele cara esquisito e violento. Alguns segundos depois, o pai dele apareceu em casa, separou a briga e o colocou para fora de casa. A moça de cabelos loiros estava toda macucada, com o nariz sangrando e a maquiagem, muito carregada, toda borrada. Tudo aconteceu muito rápido e naquele dia eu não quis mais sair do quarto. Pela primeira vez, senti um medo muito grande, de ter entrado num mundo bizarro, daquelas pessoas serem traficantes de drogas ou de mulheres, e todas essas coisas que a gente vê na TV. Quando meu amor chegou a casa, relatei a ele o ocorrido, chorando. Ele me disse que já sabia do ocorrido, me explicou que o filho biológico dos donos da casa era desajustado, estava envolvido com drogas e com pessoas de baixo nível, mas que aquele tipo de situação não era típico. Me deu um beijo e prometeu nunca agir de forma violenta comigo. Dormimos abraçados e eu me senti protegida.
Alguns dias depois, estávamos de mudança para nossa casa nova. Era pequena, sem muito conforto, mas era só nossa! Nossa, como eu estava feliz! Diariamente, quando meu amor saía para trabalhar, eu arrumava alguma coisa para fazer na casa – plantava flores no jardim, pintava as paredes, cuidava da decoração, alimentava os peixes. À tardinha eu gostava de me exercitar e corria em volta do quarteirão. Durante minhas corridas, comecei a observar as ruas e a ir cada vez mais longe, aproveitando para conhecer o lugar que morava. No entanto, numa tarde, fiquei completamente perdida. Durante horas corri, andei, mas as ruas já pareciam todas iguais e eu não havia tido o cuidado de anotar meu próprio endereço. Quando achei meu caminho de volta para casa, meu amor estava chegando do trabalho. Fiquei muito feliz ao vê-lo e fui correndo abraça-lo, mas quando ele me viu, toda suada e ofegante, me segurou pelos braços com força e me perguntou onde eu estava. Contei a ele o que havia acontecido, mas ele, de forma ríspida, me disse não acreditar e disse ainda que achava que eu o estava traindo. Disse ainda que se descobrisse que eu estava transando com alguém, que me mataria. Para mim, esse episódio foi ainda mais surreal do que o primeiro, porque aquele homem não era o mesmo homem que eu havia me despedido naquela manhã. Realmente não compreendia o que havia acontecido para que ele mudasse da água para o vinho daquela forma.
Naquela noite eu tomei um longo banho, tentando agregar algum sentido às coisas que estavam acontecendo, mas só consegui8a chorar. Deitei ao lado dele, quieta. Ele me abraçou e pediu perdão. Disse que perdeu a cabeça, que me amava muito e que ficou louco de ciúmes. Prometeu nunca mais agir daquela forma. Eu o abracei, mas o meu alerta começou a funcionar naquele momento.
Pouco tempo depois, descobri que estava grávida. Contei a ele a novidade e ficamos muito felizes! Eu tinha apenas 18 anos de idade, e ele, 22.
Nos mudamos para uma casa maior, em uma cidade muito, muito pequena. A sensação de estar sendo observada era constante. Muitas vezes eu passava e via pessoas cochichando. Não sabia seu estava ficando paranoica ou se aquelas pessoas eram estranhas. Comecei a ficar com muito medo. Me sentia presa. Não tinha amigos, nem vida social. Com frequência meu amor me dizia que chegaria mais tarde em casa e eu ia dormir sozinha. Numa dessas noites, ele chegou em casa com aquela cara que eu temia. A mesma cara que eu havia visto no dia em que me perdi. Nessa noite, ele me puxou da cama com muita violência, me colocou de joelhos no chão, com as minhas pernas abertas, jogou meu tronco na cama e segurou com força, e fez sexo anal comigo, à força. Lutei o quanto pude, mas não tinha a menor chance contra a força dele, ainda mais porque estava grávida. Eu nunca havia feito sexo anal antes, não por uma questão de tabu, mas simplesmente por nunca ter tido vontade.  Essa foi a minha primeira vez.  Quando terminou, ele saiu do quarto e foi tomar banho, e eu quase não tinha forças para levantar, porque minhas pernas estavam bambas e doídas, e eu sangrava e sentia uma dor enorme. Curioso foi que nessa noite eu não chorei. Deitei no sofá da sala, me cobri, e passei a noite olhando para a parede, contando o número de marquinhas que havia nela. Meu amor saiu do banho, deitou e dormiu.



Aconteceram alguns episódios em que ele ficava violento, e depois me dava flores e bombons, dizia que me amava e que não faria novamente. O que eu não sabia é que o pior ainda estava por vir.
Numa tarde melancólica e nostálgica, eu liguei para um amigo, no Brasil, com quem tinha (e tenho até hoje) uma amizade forte e antiga. Quando comecei a contar para ele o que estava acontecendo, meu amor chegou em casa, de surpresa, porque não era seu horário habitual de chegar em casa, me lançou um olhar fulminante e eu me senti coagida a desligar o telefone. Imediatamente ele me perguntou com quem eu estava falando e eu disse a ele que era um grande amigo meu, com quem eu não falava há muito tempo. Ele, então, me puxou pelos braços e me arrancou do sofá. Fiquei apavorada e implorei que ele não me machucasse. Ele me acusou de traí-lo, de ser uma puta, me jogou no chão do quarto, sentou-se sobre as minhas pernas e me bateu muito. Foi uma cena típica dos filmes hollywoodianos, com direito a tapas na cara, socos nas costelas e chutes – muitos chutes – na minha barriga (eu estava grávida). Durante um segundo, tive tempo de correr e ligar para a polícia, mas ele arrancou o telefone com fio e tudo. Desesperada, me tranquei no banheiro. Ele batia na porta, com muita força, dizia que eu não tinha para onde correr, que arrombaria a porta e seria pior. Naquele momento, eu tinha duas opções: ou abrir a porta e morrer de tanto apanhar, ou me jogar pela janela do banheiro, que era inteira e grande, ficar seriamente cortada, mas sobreviver. Achei a segunda opção melhor e já estava prestes a me jogar, quando avistei dois policiais chegando. A sensação que eu tive foi de felicidade plena. Havia a possibilidade de eu não morrer naquele dia!
Os policiais já entraram na casa e o algemaram. Fui, com outra policial, a um lugar que não me recordo ser uma delegacia, ou um hospital. Na verdade poderia ser até um circo, porque eu estava tão catatônica com toda aquela situação que não fazia a menor diferença. Lembro que me fizeram muitas perguntas e examinaram meu corpo, que já estava todo marcado. Ao redor do meu pescoço havia um colar preto, causado pelas mãos do meu amor tentando me enforcar.  Perdi o bebê, que estava morto dentro de mim. Tive que passar por um processo parecido com um aborto, para que o feto não ficasse dentro de mim. Lembro de rostos me olhando, de sangue entre as minhas pernas, de paredes brancas. Depois disso fui levada para um lugar onde só havia mulheres, algumas com filhos. Me disseram que, para minha segurança, eu não poderia ter o endereço de onde estava, nem o telefone. Não lembro quanto tempo fiquei ali, nem o que fiz nos dias em que permaneci ali, nem como saí de lá. Esse trecho da história foi completamente bloqueado na minha mente.
Hoje tenho duas filhas, moro no Brasil, e tenho uma vida muito boa. Fiz anos de terapia para me recuperar de todo o trauma por que passei e não me considero uma mulher traumatizada. Eu e minhas filas vivemos bem, temos muitos momentos felizes. A mais velha, que está com 14 anos, sabe dessa história.
Saí de casa com 18 anos de idade. Uma menina que se achava madura, pronta para enfrentar o mundo. Voltei uma mulher."

Nenhum comentário:

Postar um comentário

O que você achou desse post?