Essa é a minha história


TERÇA-FEIRA, 29 DE JANEIRO DE 2013


Escrava sexual




No "Essa é a minha história" de hoje, vamos mergulhar num mundo sem pudores e sem limites, através dessa narrativa corajosa e bela feita por Irene.




"Meu nome é Irene e tenho 36 anos.

Quero dividir meu drama particular com as leitoras do seu blog, que conheci há pouco tempo atrás. Li todas as histórias publicadas anteriormente e isso me incentivou a criar coragem e contar a minha também. Até porque não tenho muitas pessoas com quem dividi-la.

Sabe, minha vida sempre foi normal. Sou a irmã mais velha dos cinco filhos que meus pais tiveram, então não brincava muito, porque tinha que ajudar minha mãe a cuidar dos meus irmãos. Não éramos pobres a ponto de passar fome, mas em casa tudo era dividido, nossas roupas eram passadas de uma criança para outra, assim como nossos brinquedos. Estudamos em escolas públicas o que, na época, não era tão ruim assim. Minha mãe era muito prendada e gostava de fazer artesanato, e assim ajudava ao meu pai com as despesas da família. Com 12 anos eu andava sozinha, dava banho nos meus irmãos, trocava fraldas, fazia faxina na casa e cuidava deles quando mamãe saía para entregar alguma encomenda, ou ir ao mercado. Além de fazer isso tudo diariamente, eu também tinha que estudar muito, para ingressar numa boa faculdade algum dia e poder oferecer uma vida melhor para meus pais e meus irmãos. A adolescência chegou e foi embora e, se não fossem pelos pêlos pubianos e seios, eu nem teria notado. Eu não saía de casa para ir ao cinema porque não tínhamos dinheiro, nem saía com meus amigos, porque não tinha amigos na verdade. Com uma vida tão corrida, quem tem tempo para amigos?

Dos 12 aos 18 anos, a vida passou rapidamente. Com 14 anos consegui um emprego numa lojinha de artesanato na beira da estrada, mas nem por isso minhas obrigações com estudos e com meus irmãos diminuíram. Terminei a escola com louvor aos 17 e, com 18 anos, passei para uma boa faculdade de engenharia. Minha mãe queria que eu fosse médica, para cuidar dela e de meu pai na velhice, mas eu detestava ver sangue. Todas as vezes que meus irmãos se machucavam (e foram muitas!), eu ajudava minha mãe a cuidar de seus ferimentos com frieza, para depois sentir tremedeiras no corpo e sentir tonturas. Pensando nisso agora, era uma reação retardada a que eu tinha, com certeza para não parecer inútil perante meus pais.

Minha vida foi assim: muitas responsabilidades, nenhuma diversão.

Na faculdade minha vida mudou completamente. Foi como se eu tivesse acabado de chegar a esse mundo. Conheci tantas pessoas interessantes! No segundo ano de faculdade, saí da casa dos meus pais para dividir um apartamento perto da Universidade com mais duas amigas e comecei a estagiar numa empresa de grande porte. Como eu já estava muito acostumada à responsabilidade, não tive dificuldade alguma em morar sem meus pais. Senti sim, muita falta de meus irmãos, e demorou um tempo para que eu pudesse sentir prazer em viver a vida de uma jovem solteira. Ainda assim, visitava minha família toda semana. 


                                         


Foi numa viagem com amigas da faculdade que, aos 22 anos, conheci o Stephan. Ele bebia sozinho na boate onde estávamos e, ao me ver, se aproximou. Ele era muito alto, bonito, corpo atlético e quando chegou perto de mim, pude sentir seu perfume. Ele também era alemão, o que eu jamais teria pensado, porque era negro. Eu nunca havia conhecido nenhum alemão negro antes... nem nenhum outro alemão, na verdade, mas alemão negro eu nunca tinha ouvido falar. 

Stephan falava bem o Português, mas tinha um sotaque engraçado. Conversamos, dançamos, bebemos um pouco e saí da boate naquela noite sem as minhas amigas. Eu estava apreensiva, mas o pouco álcool que eu havia ingerido foi suficiente para me dar mais coragem. O fato de Stephan ser um galanteador à la Don Juan também contribuiu muito para que fosse com ele ao seu hotel.

A noite foi maravilhosa. Eu perdi a minha virgindade com ele, que foi extremamente cuidadoso e delicado. Foi, sem sombra de dúvida, a noite mais maravilhosa que eu já tive na vida.

Nos quatro dias que seguiram, eu praticamente deixei minhas amigas de lado para ficar com ele. Sentia-me embriagada ao lado dele e ele demonstrava muito prazer e alegria em estar comigo. Mas, vida que segue, como mulher responsável que sempre fui, voltei à minha rotina de faculdade, estudos e trabalho de novo. Sentia muitas saudades de Stephan. Ele me fazia sentir a mulher mais linda do mundo e aquele sentimento era novo para mim, porque nunca havia prestado atenção a essas coisas.

Ele deixou escrito o endereço dele na Alemanha, estranho, sem nome de rua, e pediu que não perdêssemos contato, porque gostaria de me ver outras vezes. No dia em que decidi escrever para ele, recebi uma carta da Alemanha com mesmo endereço estranho e sem nome algum de remetente. Era uma carta dele e eu fiquei radiante! Na carta ele dizia estar vindo ao Brasil no próximo mês para me ver. Falamos-nos por telefone algumas vezes depois disso. Eu estava tão apaixonada!

Dito e feito. Um mês depois, ele veio ao Brasil e se hospedou num hotel luxuoso. Durante as duas semanas em que Stephan ficou aqui, eu não visitei minha família e faltei a algumas aulas, coisas que jamais pensaria em fazer. Nossa relação era tão gostosa, tínhamos tantas afinidades, que eu tinha a certeza de que iria me casar com ele.

Ele veio para o Brasil mais duas vezes e, finalmente, quando terminei a faculdade, eu fui à Alemanha conhecer sua vida. Ele pagou minha passagem e me pegou no aeroporto. Fiquei hospedada em sua luxuosa casa. Era, sem dúvida, a casa mais linda que eu havia visto na vida! Tinha lareira, cômodos amplos, dois andares, móveis planejados, muita madeira, enfeites de várias partes do mundo. Fotos dele em vários países do mundo. Fotos com os pais, já falecidos. Ele era um homem de negócios muito bem sucedido e, durante os 10 dias que passei com ele, tive a oportunidade de conhecer alguns de seus amigos, todos extremamente simpáticos e bem vestidos. Eles chegavam em carros de luxo, bebiam um pouco, conversavam um pouco, me olhavam bastante e sempre sorriam. Por duas vezes eles pediram licença e se fecharam em seu escritório.

De volta ao Brasil, a saudade me corroía. Falávamos-nos quase que diariamente e eu já não suportava ficar sem ele. Nessa época, recebi uma proposta de trabalho muito boa e fiquei animada, pois poderia ajudar meus pais de uma forma que nunca pudera antes. Contei para ele a novidade, por telefone. Três dias depois, na data em que eu havia marcado para ir ao RH da empresa, ele surgiu na minha porta com um buquê de flores e um anel enorme de diamantes, e de joelhos, me pediu que casasse com ele. Esse foi o segundo dia mais feliz da minha vida.
                     

Não só recusei o emprego, como mudei minha vida completamente do dia para a noite. Apresentei Stephan aos meus pais, que ficaram surpresos com tantas novidades, porque eu nunca havia falado nada para eles. Prometi que sempre cuidaria deles e que enviaria dinheiro da Alemanha, assim que arrumasse um emprego. Stephan disse a eles que cuidaria muito bem de mim e que enviaria passagens para eles e meus irmãos participarem de nosso casamento. Stephan voltou à Alemanha três dias depois, e eu fui, de mala e cuia, duas semanas depois. Tudo ocorreu de forma rápida e excitante. Mal tive tempo de me despedir das minhas queridas amigas de faculdade e de apartamento, nem tampouco da minha família. 

A vida na Alemanha era um sonho. Morávamos num lugar lindo, tínhamos muito conforto, jantávamos fora quase todos os dias. Eu queria me sentir em casa, fui arrumando aos poucos, adaptando meu gosto pessoal. Stephan, sempre muito flexível, parecia gostar da minha adaptação. Disse-me para não me preocupar em trabalhar por enquanto, que eu aprendesse o alemão primeiro e, somente depois do casamento, começasse a pensar em trabalhar. Nenhum de nós dois desejava ter filhos. Ele era filho único e seus pais já eram falecidos e eu, acho que por ter vivido e visto a imensa dificuldade que meus pais, meus irmãos e eu passamos, não queria trazer uma criança a esse mundo para passar por dificuldades, mesmo tendo condições financeiras para criar e educar um filho confortavelmente.

Stephan gostava muito de sexo e me ensinava tudo, já que eu era muito inexperiente. Ele queria fazer sexo todos os dias e a qualquer hora do dia ou da noite. Tudo era motivo para deixa-lo excitado: eu acordando, eu cozinhando, eu limpando a casa. Eu participava ativamente de todas as brincadeiras e fantasias. Não tinha muito que fazer da vida naquela época e ele trabalhava em casa na maior parte do tempo.

Meus pais e dois irmãos chegaram à Alemanha três dias antes do nosso casamento e ficaram hospedados em um hotel próximo. A cerimônia foi muito bonita, no jardim da nossa casa, com minha família de quatro representantes, e os amigos dele. Ficamos na Alemanha por mais dois dias com minha família e os levamos para conhecer o país, e, no dia que embarcaram para o Brasil, nós dois viajamos para as ilhas gregas em nossa lua-de-mel.

De volta para casa, na Alemanha, Stephan começou a trabalhar um pouco mais do que de costume, ainda assim, transávamos diariamente. Éramos só nós dois, então não havia hora, nem limites. Depois de alguns meses mergulhados numa rotina intensa de sexo, prazer e muitas fantasias sem nenhum pudor, ele me preparou uma surpresa: estávamos fazendo amor na cozinha, quando fui surpreendida com a imagem de um amigo de Stephan refletida na porta das micro-ondas, nu e ereto, vindo em minha direção. Assustei-me, mas, mesmo sem dizer uma palavra, Stephan me tranquilizou com seu olhar e seus gestos carinhosos. Esse foi o primeiro episódio de muitos outros que ainda estavam por vir...

Não irei escrever os detalhes mais íntimos do que ocorria, pois não sei se isso acarretaria em algum problema para vocês, ao ser publicado na internet. Tentarei ser o mais fiel possível aos fatos, sem ser explícita.

Esse amigo de Stephan voltou outras vezes. Depois de uns dois meses, outros amigos apareceram também. No princípio era prazeroso. Um mundo novo se apresentava para mim e, com meu marido ao meu lado, eu me sentia segura para permitir, participar das brincadeiras e sentir prazer com elas.

Nos meses seguintes foram aparecendo cada vez mais amigos. Em um desses dias, Stephan me colocou num puff redondo e grande na sala, cercada por cinco homens. Eles faziam o que queriam comigo, se revezando. Num determinado momento, pedi para ir ao banheiro e, passando pela cozinha, vi, pelo reflexo do mesmo micro-ondas, um doa amigos de Stephan tirar algumas notas de euro da calça e dar a ele. Continuei andando até o banheiro, me tranquei, sentei no vaso para não cair, porque minhas pernas estavam bambas e meu corpo tremia; não sei se pelo cansaço físico ou pela decepção imensa que senti. Meu marido estava recebendo dinheiro dos amigos, para transarem comigo. Fiquei com isso na cabeça, mas não o confrontei naquele dia.

Agora eu entendia porque de Stephan ter tantos amigos. E todos homens!

Três dias depois, meu marido estava na sala, assistindo TV e alguns de seus “amigos” começaram a chegar. Muitos rostos eram novos para mim.

Ele me pediu que levasse uma cerveja para ele e, quando me aproximei, ele colocou a mão por debaixo da saia que eu usava, começou a beijar e a acariciar minhas pernas, tirando minha calcinha. O que eu sentia era um misto de raiva, prazer e vergonha. Uma carga de emoções diferentes, e todas igualmente intensas. Stephan iniciou a orgia, para seus amigos, um por um, ou vários ao mesmo tempo, desfrutarem de mim.

Eu estava muito confusa. Ao mesmo tempo em que Stephan me fazia sentir e me dizia que aquilo tudo era bom e normal, eu me sentia incomodada e triste quase que o tempo todo.

Disse que iria tomar um banho, mas desviei o caminho para o corredor. Nesse dia, tive a confirmação de que meu marido, de fato, estava me fazendo de prostituta. Obviamente eu já entendia o alemão, e ouvi aqueles homens dizendo o quão bom tinha sido, que valia cada centavo, que voltariam novamente, que avisariam a fulano...


 
              Imagem: Kaleidoscope U of Alabama Birmingham
                                          
                
Depois de tomar um longo banho e seus amigos terem ido embora, confrontei meu marido pela primeira vez. O que vi na minha frente, foi um homem; Stephan ao avesso. Ele me falou que servir a ele e a quem ele permitisse era obrigação minha e o fato dele cobrar por isso, era um direito dele. Uma vez que eu não trabalhava, era justo que desse algum lucro a ele, ao invés de prejuízo. Não tenho palavras para descrever tamanho desespero que senti. Era tudo muito confuso. Quem era aquele homem? Cadê o meu marido? Esse era meu marido? Nada fazia sentido, e tudo fazia sentido! Eu precisava sair daquele lugar. Eu estava na Alemanha, meu Deus! 

Stephan foi tomar banho e eu saí de casa. Correndo feito uma louca na rua gelada, me dei conta que não fazia ideia de onde ir. Em todos esses meses, Stephan havia me mantido dentro de casa, fazendo uma espécie de lavagem cerebral sexual comigo e eu nem me dera conta. Não sabia nem onde era o mercado, não tinha amigos nenhum, não tinha dinheiro para ir a lugar algum. Corri até cansar, depois vaguei, sem rumo, pela cidade fria. Sentei num banco público qualquer e comecei a chorar muito, com a cabeça entre as pernas. Foi quando senti um toque delicado na minha cabeça e, ao olhar para cima, vi um rosto conhecido. Não me lembrava de onde conhecia aquela mulher alta, loira, magra como uma modelo de passarela, mas ela me perguntou o que estava acontecendo e eu contei tudo a ela, numa fração de segundos, tão nervosa eu estava. Ele me transmitia muita confiança, e me disse que entrasse no carro dela, que iria me acolher em sua casa, que eu precisava descansar, e que, no dia seguinte, pensaríamos juntas em como proceder. Eu concordei e ela me levou para sua casa. Deu-me um chá quentinho, roupa de cama cheirosa, e eu apaguei.

Quando abri meus olhos, com muita dificuldade, vi o rosto de Stephan. Quis gritar, mas acho que não saía nenhum som da minha boca. Sentia-me pesada feito um elefante, não conseguia me movimentar, e meu raciocínio estava lento também. Não sabia se estava sonhando ou se realmente aconteceu, e até hoje, lembro-me de flashes apenas. Stephan me carregando no colo. Stephan sorrindo. Stephan dirigindo.

Acordei com uma espécie de ressaca pavorosa, nua, com minhas mãos algemadas na cabeceira, e meus pés amarrados na nossa cama. Stephan disse: “boa noite, meu amor. Você me fez muito mal em fugir de casa. Não deveria agir dessa forma com seu marido. Você será devidamente punida por isso”. Deu-me um beijo na testa, saiu do quarto e fechou a porta. Esforcei-me para desatar os pés dos nós e as mãos das algemas, claro, em vão. Pensei que essas coisas acontecessem nos filmes, nunca na vida real. Não comigo. Não era possível.

Ainda imobilizada, a porta se abriu e três homens entraram. Estupraram-me repetidamente.

Vivi essa rotina de escrava sexual durante mais de um ano. Estava deprimida, havia emagrecido mais de 10 quilos, o que aborrecia Stephan. Ele me dizia para comer, empurrava comida na minha boca. O número de homens começou a diminuir. Tinha apenas um “cliente” fiel, um homem velho e esquisito, que sentia muito prazer em me violentar, porque eu parecia um cadáver. Essas foram suas palavras.

Eu estava no inferno. Não podia falar com ninguém, não tinha acesso a computador nem telefone, não tinha amigos. Stephan colocava o telefone no meu ouvido, às vezes, para falar com meus pais, e monitorava nossas conversas, de forma que eu não falasse nada suspeito, mas isso já fazia mais de um mês que não acontecia. Ou uma semana. Não sabia quanto tempo, na verdade.

Não sei como, nem porque, mas um dia simplesmente acordei com vontade de sair do inferno. Alguns dizem que foi Deus que me resgatou, outros que foi minha força interior. Fato é que comecei a comer novamente, comecei a tomar banho, e voltei a ganhar peso. Aos poucos, mesmo com a rotina de escrava sexual, fui parecendo mais como uma mulher e menos como um cadáver. Mas eu havia mudado por dentro também. Não sentia nada. Absolutamente nada.

Essa força não durou por muito tempo, não foi suficiente para que eu conseguisse sair de lá, e eu tive altos e baixos. Lutava comigo mesma, me forçava a aceitar a situação e aprender a gostar dela, para que Stephan ficasse feliz e pudéssemos ter uma vida feliz novamente. É difícil descrever em palavras, mas é como se houvessem duas Irenes em mim, uma queria lutar, outra se entregar, e elas estavam igualmente vivas. Num dia só, eu podia sentir o poder de ambas, e oscilava entre uma e outra.

Depois de três anos vivendo como escrava sexual, entendi que o único jeito de sair dali seria morta. Com um alívio muito grande, cortei meus pulsos com a faca da cozinha, quando Stephan estava em seu escritório, e sentei no chão da cozinha, feliz.

No hospital, quando acordei, pude relatar tudo o que me acontecera à polícia e às mulheres a assistência social e da embaixada. Nem sinal de Stephan nem de seus amigos medonhos. Levaram-me para um abrigo, onde fui muito bem tratada. Dei todas as informações que pediram sobre Stephan. Falei com meus pais pelo telefone. Fiz tratamento psicológico inicial antes de voltar para o Brasil, e continuei quando cheguei aqui.

Nunca mais ouvi falar daquele homem. Durante alguns anos vivi com muito medo. Mudei de cidade e comecei uma vida nova, do zero. Tenho um bom emprego, faço acompanhamento psicológico e faço um trabalho voluntário com prostitutas e meninas de rua que, apesar de não ser exatamente o que eu passei, tem inúmeras semelhanças, e, com minha experiência, eu posso ajuda-las. Não tenho mais medo de encontra-lo. O que ele poderia fazer contra mim, afinal de contas? Tirar minha vida? Não tenho medo de morrer, o que me deixa segura em relação aos meus passos e à minha vida. Foi uma história muito intensa e muito dolorosa essa que eu vivi, mas, graças à excelente terapeuta que me acompanhou ao longo dos últimos dez anos, e à minha vontade de viver e ajudar as pessoas em situações semelhantes, não tenho traumas, apenas lembranças.

Obrigada pelo espaço. Desejo que minha história, assim como tantas outras contadas em seu blog, ajude a mulheres que precisam.

Sinceramente.

Irene."




Todas as histórias são reais e enviada à Monde Privé por suas autoras. Todos os nomes são fictícios, para proteger a identidade da autora.

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QUINTA-FEIRA, 13 DE SETEMBRO DE 2012


Essa é a minha história - auto sabotagem


Durante grande parte da minha vida adulta, eu me envolvi com pessoas que não gostava. Ainda que um tanto quanto contraditório, namorar tais pessoas sempre me deu a sensação de segurança, uma vez que, quando as relações terminavam, eu não me sentia abandonada. Estou certa de que este hábito auto-destrutivo tem muito a ver com os repetitivos molestamentos que sofri na infância, por um membro da minha família, ou talvez os estupros na adolescência. Independente dos motivos, assim foi a minha vida por muito tempo: uma repetição de atos auto-destrutivos, que me mantinham num estado constante de dormência sentimental.

Cerca de um ano e meio atrás eu conheci um homem através de um anúncio online e começamos a desenvolver uma relaçao platônica. Ambos havíamos saído recentemente de relacionamentos longos, e ambos havíamos experimentado a dor da traição. Nos tornamos melhores amigos instantaneamente e, porque passamos a nos falar diariamente, quase o dia todo, deixando, inclusive, nossos trabalhos de lado, começamos a nos conhecer muito bem.
 

Lembro-me de fazer minha cama todos os dias (algo que raramente fazia), suavizando cada vinco dos lençóis com uma perfeição à la Martha Stewart. Com ele na minha vida, tudo era bonito, e até mesmo objetos inanimados pareciam conter vida e beleza. Eu andava cada dia sentindo o calor do sol, mesmo quando ele estava longe de ser encontrado. Tudo: as paredes, a grama, as árvores, as folhas, absolutamente tudo tinha vida. O mais importante, depois de anos de não sentir nada, eu senti vida.



Conforme o tempo passou, nós nos apaixonamos, no mais puro sentido. Uma noite ele chegou lopo após eu ter colocado meus filhos para dormir e, pela primeira vez na minha vida, eu senti o que é se entregar completamente a alguém. Pela primeira vez na minha vida, eu soube o que era fazer amor. Ainda que tivesse um vocabulário impressionante ou se fosse uma grande romancista, não acredito que teria a capacidade de expressar em palavras a experiência magnífica que tive. Não foi apenas uma renovação da minha fé nas pessoas. Foi conhecer a mim mesma e poder dividir com alguém essa pessoa que permaneceu escondida por tanto tempo. Apesar de eu ter quatro filhos, eu digo com um grau de certeza, esta foi a primeira vez que havia experimentado o amor..

Meses depois, ele foi embora. Foi repentino. Foi inesperado. Toda a minha vida desmoronou. Lembro-me de deitar no chão, meu rosto contra as placas frias do piso de madeira, pedindo a Deus para fazer a dor parar. Não importava o que eu fizesse, não importa o que eu dissesse, ele nunca mais voltou.

Algumas semanas depois eu o vi com outra mulher e me perguntei se o amor que eu sentia era apenas uma via de mão única. Embora ele nunca tivesse voltado para mim, eu prometi a mim mesma quebrar velhos hábitos e não me envolver mais com pessoas que eu não gostasse. Prometi a mim mesma não permitir mais nenhum outro homem dentro de mim antes de estar preparada a deixá-lo ir, a me desapegar.. No entanto, quebrei inúmeras vezes essa promessa de lá pra cá. 


Suponho que todos passamos por momentos de solidão e gostamos de nos sentir amados e queridos. A diferença é que agora sei o que eu sou capaz de fazer. Eu ainda penso nele frequentemente. Lembro-me de como era amar alguém tão completamente. Lembro-me de como eu me sentia e, apesar do final infeliz que essa relação teve para mim, eu ainda acredito no amor.


Por: Rayn 


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QUARTA-FEIRA, 5 DE SETEMBRO DE 2012

Essa é a minha história: um mundo de conto de fadas


"Crescendo como mim mesma foi uma experiência fantástica, mas mais no sentido da palavra "fantasia". Li todos os livros sobre contos de fadas que a seção dos Jovens da Biblioteca Pública de Freeport tinha para oferecer, sempre com fome de quaisquer novos livros com capas brilhantes, recheados de fadas e duendes que eles pudessem adquirir. Eu era a estrela-mor de toda história, com meus vestidos feitos de papel cor de rosa ou equipada com minhas roupas aventuras ao redor do país à pé, sabendo que encontraria o caminho verdadeiro ao meu destino, mesmo que ele estivesse sob o feitiço de alguma bruxa ou novos personagens igualmente obscuros. Eu tinha a escolha entre me aventurar por estradas desconhecidas ou receber beijos nas mãos de cavalheiros charmosos. Eu tinha unicórnios e sereias como conselheiros e estava sempre protegida do monstro que habitava embaixo da minha cama, com feitiços de magos e a oração ocasional, profunda e ardente de minha fada madrinha. Eu tinha que acreditar em sua existência.

Depois de esgotar meu gênero favorito no departamento de crianças, cresci desanimada. Me vi, pela primeira vez em minha vida jovem, em um beco sem saída. Então era só isso? Foi só isso que a vida tinha a oferecer? Eu pensei sobre o "andar de cima" da biblioteca pública - a seção adulta. Terrivelmente assustador. O que estava lá em cima? Eu só tinha estado lá algumas vezes e, em todas elas, havia sido intimidada por suas enormes pilhas de livros e por suas janelas ainda mais altas, voltando rapidamente ao meu refúgio no porão da biblioteca, a sessão infantil, com seu teto baixo e murais coloridos. Eu sabia que meus livros favoritos eram subterfúgios, mesmo só entendendo o significado dessa palavra 20 anos depois, mais ou menos. Eu sabia que o que eu gostava de ler eram fugas para mim, e eu os amava por isso.

Eu sabia que algum dia iria receber um cartão de biblioteca para adultos, mas o que isso significa? Eu teria que usar um certo tipo de calças para estar apta a usufruir desse cartão e de todos os seus benefícios e responsabilidades? Será que o meu cinto teria que combinar com meus sapatos? Será que eu, de repente, precisaria usar óculos e apertar os olhos ao ler, fazendo muitos sons de 'hmm'?

Eu gostava da idéia de ser um adulto, mas não se isso significasse desistir de meus contos de fadas e todo o seu esplendor e possibilidades. Eu gostava da sensação vaga e tangencial de tomar os primeiros passos para a vida adulta, mas só se eu pudesse trazer comigo minha coleção de vestidos de baile e deixar meu unicórnio de plantão do lado de fora.

No andar de cima, eu imaginava, ansiosa, livros com capas de couro rachados, densos, com ilustrações copiadas a mão e histórias muito, muito importantes que me ensinariam sobre a vida e como usar salto e fazer reverência em um vestido de baile, porque essas coisas pareciam ser importantes para as mulheres adultas e eu não fazia idéia do porquê. Se a seção adulta ainda tivesse contos de fadas, (e deus sabe que quão arrogantes eles são), imaginava que fossem histórias sobre de onde os contadores vieram ou análises de por que as crianças desperdiçavam tanto tempo lendo contos de fadas.

Reexaminado a seção de Jovens leitores, minhas incursões na sessão de mistério e Judy Blume, só confirmaram o que eu queria, que era poder escolher minhas próprias aventuras e dragões. A biblioteca era o meu brinquedo, meu monstro. À partir de então, fiquei cada vez mais inquieta.



imagem de Jeannette Woitzik.

Como último recurso, verifiquei e reli alguns dos meus favoritos, acariciando suas capas, olhando para minhas ilustrações favoritas e tentando imaginar que aquela era a primeira vez que eu estava lendo aquele livro em particular, tentando, desesperadamente, reviver aquela emoção de um mundo diferente do meu, de uma vida diferente da minha! Comecei a fazer meus próprios desenhos, mas percebi que não tinha recursos para tal, além de minha caixinha de giz de cera. Escrevi alguns de meus próprios contos de fadas, mas não me satisfazia aquele maço de papel de caderno frente à glória e majestade de um item vinculado e publicado. Parei de ler inteiramente por um tempo, por puro desespero e ansiedade, mas rapidamente percebi quanto tempo eu teria que passar com minha irmã mais nova se não tivesse o meu nariz enterrado em um livro. Este assim chamado mundo real, definitivamente não correspondia às minhas expectativas.

Finalmente, um dia, depois de passar um dia inteiro enclausurada em silêncio dentre os cantos arredondados do meu próprio círculo, na Biblioteca, criei coragem e perguntei à minha bibliotecária favorita se havia mais livros de contos de fadas na parte de cima. Eu tinha nove anos.

Sendo ela uma mulher inteligente e observadora, que já me conhecia de todos os programas de leitura de férias de verão que eu tinha entrado, iniciou comigo um diálogo tranquilo e sério sobre mitologia grega e romana. Eu, como nunca havia ouvido falar naquilo antes, fiquei bastante cética. Para mim, os adultos não eram seres confiáveis.

Eu me lembro dela me acompanhando duas ou três vezes para o andar de Cima - com C maiúsculo. O andar de Cima era atordoante e não convidativo. Adolescentes empenhados em me cumprimentar de formas estranhas e homens carecas de óculos lendo catálogos e se sentindo pouco a vontade com a minha presença. Minha Bibliotecária Guardiã me mostrou a seção de que havia me falado a respeito, pegou alguns exemplares, e me deixou a vontade para lê-los Eu tinha certeza de que algum outro adulto apareceria a qualquer instante, contestando o que eu estaria fazendo na sessão de livros adultos, talvez me agarrando pelo ombro e jogando de volta para o andar de baixo. Para evitar que isso acontecesse, eu agia como se já tivesse lido todos aqueles livros e os conhecesse muito bem; como se estivesse ali apenas dando uma voltinha.

Não me recordo com qual mitologia iniciei, e tenho certeza que essa informação acrescentaria à minha história, mas lembro das roupas - deslumbrantes! Um lençol de cama velho era o necessário para se transformar em uma divindade de carne e osso ou, ainda, a tragédia de um mortal cuja agonia foi tamanha a ponto de nomear uma cidade inteira! Os adultos estavam lendo isso? Toda a minha existência estava prestes a se tornar válida. Este material estava me deixando excitada, quando comecei a vislumbrar que não se tratavam apenas de histórias incríveis, mas civilizações inteiras as haviam utilizado como referência durante milhares de anos. Onde eu estive pelos últimos nove anos?! Certamente não estava lutando com serpentes com cabeças de cobra ou me encontrava presa em um labirinto com uma criatura metade vaca me perseguindo - INCRÍVEL! Eu mergulhei de cabeça nesse mundo mitológico, devorando tudo o que encontrasse pela frente e que não tivesse relação nenhuma com a escola - a professora indicou Homero e dele eu fugi.

Meus pais tinham que verificar os livros que eu lia, que não faziam parte do conteúdo dos Jovens leitores durante um longo período. Quando se cansaram disso, eles assinaram algum pedaço de papel especial que me deixava conferir tudo o que eu quisesse no andar de Cima e eu fui, então, presenteada com um cartão de biblioteca adulto. Eu era livre agora.

Eu ainda passei algum tempo no meio dos livros da sessão de Jovens leitores, mas as coisas nunca mais foram as mesmas depois que eu tive livre acesso ao andar de Cima. Pulsando silenciosamente no meu bolso de trás, como uma jóia roubada de um dragão durante seu sono, estava meu cartão da biblioteca. Me senti inspirada a grandes coisas apenas por saber que estava ali. Tendo lido todos os contos de fadas, eu estava apenas começando a perceber o quão sério um cartão de biblioteca era e é e todas as coisas que pode significar para uma série de pessoas diferentes. Meu cartão do andar de Cima realmente havia me dado poderes e quando subi as escadas com ele, com pequenas asas nos meus tornozelos, eu tinha certeza de que tudo era possível."

Escrito por: April Gutierrez Manning
   
Imagem: Jeannette Woitzik.


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QUINTA-FEIRA, 23 DE AGOSTO DE 2012

Essa é a minha história: A rachadura


"Para esclarecer um ponto da história, você precisa saber que os meus pais me chamavam de Betsy, um apelido para o meu nome do meio, Elizabeth. 

O fim para nós, como uma família, chegou ao final do verão de 1973, o qual seria a nossa última viagem de acampamento juntos.

Dava para sentir o fim chegando. Nossos acampamentos já nos levaram a noites em claro e gloriosas viagens de duas semanas ao Canadá, mas nos últimos, nós só chegamos até uma propriedade de um amigo de meu pai, em Michigan. A pescaria até que era boa por lá, mas já não era tão divertido e excitante como antes.

Depois que o desânimo do acampamento de 1973 passou, minha mãe sugeriu uma viagem de fim de semana para Acres Amish, no norte de Indiana. Eu não me lembro daquele final de semana em particular, apenas tenho memória da foto que minha mãe tirou de nós, alinhados e encostados no carro, depois de termos colocado as malas de volta no carro para irmos para casa. 


"Foi quando eu soube que era o fim" minha mãe disse depois, apontando para a foto que retratava três adolescentes mal-humorados e um homem velho com aparência confusa.

Pai está em seu uniforme usual azul claro de poliéster, uma camisa branca de manga curta e um boné de aba larga. À sua esquerda está Andy, 18, em jeans e uma variedade de listras à la Beach Boys em sua camiseta. Mechas de uma franja escura e grossa atravessavam seus óculos, atrapalhando um pouco sua visão. David, 17, é mais difícil de descrever. (Estou fazendo essa descrição de memória, porque a foto está na casa de minha mãe, na Flórida). Ele deve estar usando jeans, botas surradas, uma camiseta. O que eu vejo claramente são seus espessos óculos e seu cabelo castanho e volumoso enrolando sobre o colarinho. Enquanto Andy se esforça para parecer um surfista, David faz mais o tipo rock-and-roll.

À esquerda de David estou eu, no auge dos meus 16 anos. Estou vestindo o uniforme que adotei depois de assistir "Billy Jack" inúmeras vezes, que é uma calça boca de sino jeans e uma camisa grande de cambraia, para fora da calça. No meu pulso tem uma pulseira de couro grossa (elas eram grossas para proteger seus pulsos caso você entrasse em uma briga de faca). Meu cabelo é tão espesso quanto o de David, só mais vermelho e tão longo que chega quase até a cintura. Na minha testa, uma tira de couro fina amarrada. Eu me visto o máximo como uma hippie que minha mãe permite.

Essa viagem de acampamento, em que não havia nada a fazer a não ser comprar a manteiga de maçã na loja de Amish, foi o fim de nossas tentativas de fazermos qualquer coisa juntos. A partir de então, nós apenas tentamos sobreviver um ao outro.

Quando nos tornamos adolescentes, o nível de decibéis na casa aumentou consideravelmente. Minha vitrola competia, incansavelmente, com o som estéreo da família. Dave e Andy mudaram para outro quarto. Além disso, Dave começou a tocar numa banda de rock que, às vezes, praticava no porão. Andy tinha sido matriculado em uma escola particular de alto nível e vivia estudando, o que, de alguma forma inexplicável, também era um processo barulhento. Andy passou e exortou em seu estilo de fala estranha. Mãe berrou da cozinha, ajustando seus decibéis para alcançá-lo, enquanto ele andava de um lado para o outro no corredor. Isso tirava meu pai do sério. Pai tinha esperanças de Andy seguir carreira de advogado, mas essas declamações vacilantes de Andy revelavam, para ele, sua total falta de talento para os tribunais.

Como a família havia mudado! Nós não éramos mais aquelas pessoas que se apertavam no carro, ansiosos para fazermos alguma coisa divertida juntos. Agora Mãe só trabalhava, chegava em casa, fazia o jantar, e assistia a um pouco de TV ou, às vezes, costurava alguma coisa. Dava quase para ouvi-la dizer "Eu não posso fazer nada com essas pessoas", e virar sua atenção para outra coisa. Pai não era mais o mesmo também. O staccato de sua digitação matinal, que vinha de seu escritório no porão, parou de encher a casa.

Durante os meses seguintes, Pai apresentava seus diferentes lados: às vezes o velho brincalhão, com mais frequência o homem desaparecido, alternando com o sargento irritado. Eu já não o acompanhava em seus passeios; eu chamava a atenção dos homens agora. Ele fez novos amigos saindo com os "Old Dogs", o seu quarteto da barbearia, e também através de Joe, o encanador, e um ex-Hari-Krishna. Às vezes, ele arrastava a minha mãe com ele à noite, para beberem em algum novo bar em Carmelo.

Durante o fim do inverno de 1972 até a primavera de 1973, meu pai desenvolveu um padrão de eleger um determinado problema, fixar-se a ele e perseverar até que o mesmo fosse resolvido à sua maneira. Vou explicar: num episódio que envolveu os gatos, o Beowulf e o Thomas de Aquino, eu até hoje não sei o que aconteceu, mas meu pai cismou com eles por alguma razão e, num belo dia, os colocou no carro e essa foi a última vez que os vi. Mas o que me fez ficar contra ele foi o episódio da letra B. Meu namorado Bob e eu mergulhamos nas lixeiras de Nora Springs para pegar aquela letra. "B de Bob, B de Betsy," ele disse quando me presenteou com a letra que achamos. Eu a pendurei na parede do meu quarto, ao lado da janela. Meu pai decidiu que isso era um problema e, mesmo mantendo a porta do meu quarto fechada, para que a visão da letra B pendurada não o incomodasse, ele não parou de me perturbar sobre o assunto. Finalmente eu entreguei a letra B ao meu pai, e a mesma teve o mesmo destino dos gatos. 


Um dia antes do final do verão de 1973, pai chegou em casa com um velho Cadillac dourado, tão grande quanto um barco. Ele deve ter comprado com um de seus amigos. Era muito maior, mas não mais estranho do que algumas de suas aquisições, que ele trazia para casa naquela época. Mal comprou o Cadillac, ela bateu com o carro. O Cadillac foi rebocado até a nossa garagem e meu pai, ao Hospital San Vicent. Minha mãe ligou para nós três para dar a notícia. Deve ter sido a coisa mais difícil que ela já teve que fazer.

Ela nos disse que ele tinha bebido, pois eles estavam mantendo-o na “ala dos alcoólatras".

Entramos no carro, chegamos ao hospital, fomos da enfermaria, cheia de homens cinzentos em roupões de banho, para o nosso homem cinzento em roupão de banho particular, Não me lembro de nada do que foi dito naquele dia.

Depois ele se mudou para o Motel Carmelo. Quando ele voltou para casa, duas semanas mais tarde, trouxe consigo um balde plástico de gelo do motel, nos matando de vergonha. Por que ele quis trazê-lo pra casa? Ele levou o balde para sua cama. Nós paramos de fazer barulho na casa. A banda não ensaiou mais. Seu diagnóstico de alcoólatra se transformou num diagnóstico de maníaco-depressivo. Meus irmãos se mantinham tão longe quanto podiam, assim como eu. Como Mãe conseguiu nos juntar no final do verão para aquele último acampamento, ainda é um mistério para mim.

Naquele outono, Dave seguiu os passos de Andy até a faculdade. Mãe se ocupou de todo tipo de trabalho e evitava a todos nós. Eu fui para o segundo grau e trabalhava no quiosque Can-Do no shopping, e saía à noite com os meus novos amigos hippies de Indianapolis.

O fim do fim, anunciado por aquela foto de acampamento, havia chegado. Como uma família nós estávamos liquidados. Eu estava livre para ir."



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SEGUNDA-FEIRA, 13 DE AGOSTO DE 2012

Essa é a minha história - "Gravidez crônica"


Essa é a história de Engraçadinha que, logo após uma cirurgia plástica que a deixou maravilhosa, se descobriu grávida do terceiro filho. Confiram:


" Quando a necessidade se fez, desesperei, descabelei e achei que ficaria rica e famosa se contasse ao mundo que 3 meses após uma plástica que me deixou gostosa, engravidei de uma menina. Tsc, tsc, tsc. Bom, ao menos rendeu um ótimo livro.

A essa altura do campeonato, tudo que eu não esperava era ser mãe de novo!
Estou sendo sincera. Absolutamente sincera.
Eu não fui daquelas meninas santinhas casadoiras, mas do meu grupo de amigas, fui a primeira a juntar os paninhos de bunda.
Nunca fui do tipo maternal, mas desse mesmo grupo, fui a primeira a ter filho. Depois outro filho... e agora, mais outro filho.




Esse outro filho ainda está ecoando aqui dentro do meu cérebro.
Tipo... hallooou?! Eu acabei de fazer uma plástica! Vai arrebentar tudo.
Claro, não posso ficar pensando nisso, nem me apegar ao que pode não dar certo pra mim. Em todo caso, quando se tem uma notícia dessas, observar os obstáculos antes de sair pulando de felicidade, é a primeira reação q se tem.

Então vamos a eles:
1- Estou pagando uma uma cirurgia plástica em 24x que mesmo depois que meu terceiro filho nascer, eu ainda estarei pagando, porém o resultado estético será de perda total;

2- Ainda não botei aquele biquini quase pelada que tanto sonhei;

3- Pode ser que seja menina dessa vez, pois eu já tenho 2 meninos;

4- Como Murphy não dorme, terei de fazer um novo enxoval caso seja menina;

5- Meu apartamento só tem 2 quartos e 1 deles já é ocupado por 2 meninos;

6- Estou totalmente sem tesão e muuuito enjoada;

7- Meu senso de humor foi pro caralho e eu não estou com vontade de falar com ninguém sobre nada. Digitar ainda é um bom negócio, mas a minha vontade é de ficar muda e invisível até meu enjôo passar!



Depois dos obstáculos pulados e vomitados devidamente, vamos as partes boas!

1- Apesar dos anjos serem uns sacanas e fazerem umas brincadeiras de mau gosto que só eles entendem, sei que essa criança será muito amada;

2- Essa criança já está sendo amada lá em casa e Pacotinho me fez chorar ao falar com aqueles olhões lindos: Mãããe e dessa vez eu nem pediii!;

3- Pacotinho já sabe q foi papai que botou a sementinha aqui dentro. Então, será menos uma conversa sobre sexo q terei;

4- Estão todos felizes e apesar de ter vomitado algumas vezes nesse fim de semana, percebi que até Cabeça de Bolinha está mais comportado. Agora, quando eu brigo com ele, ele pede colo pro irmão e diz: Pesaaado, pesaaaaado! (se referindo ao próprio peso);

5- Pacotinho vai poder pegar o bebê no colo, mais do que da outra vez! Agora ele aguenta;

6- Se eu não me mudar prum apartamento maior, vou empilhar os meninos - Palavras de Engraçadão;

7- Se for menina, finalmente será Lourdes e se for menino, Arthur. Chega de nome composto que na hora da briga, o que sai não dá nem pra repetir!

8- Finalmente eu me tornarei uma garota de programa, Engraçadão michê e os meninos venderão limão no sinal em frente ao mercadinho;

9- A família continuará mais esquizofrênica do que nunca, no entanto mais feliz. Já dizia minha Vó Lourdes, que Deus a tenha: Onde comem 4, comem 5!

10- Eu vou ligar as trompas! Engraçadão vai dar nó no pinto e nunca mais faremos sexo!

Brincadeiras à parte, eu sei que existe algum propósito nessa gravidez.
Falei errado no outro post. Eu fazia coito interrompido há quase 15 anos (completados no dia 30 de Setembro deste ano).
Quando engravidei dos meninos, NÃO FOI USANDO ESSE MÉTODO!

Então só posso concluir, que essa criança foi mandada pelo povo lá de cima que precisava urgentemente da minha ajuda e como eu não sou de fugir do bom combate (ao menos não dormindo!), na hora daquela reunião no astral, eu devo ter levantado os dois braços gritando: EU, EU, EU! ME ESCOLHE, ME ESCOLHE!

Louca eu? Muito provavelmente.
Por isso, peço que se me encontrarem no astral, em alguma reunião dessas, façam-me um favor: me amarrem, me amordaçem e me dê um mata-leão para evitar qualquer tipo de surpresa.

Seguindo a linha absolutamente sincera way of life, posso dizer que tem uns 4 dias que estou curtindo a minha gravidez. Sexta, sábado, domingo e segunda. Mais exatamente, posso dizer que estou feliz.

É, eu não estava feliz antes.
Primeiro por conta da responsabilidade q é uma gravidez, depois porque aborto é coisa que não faço, porque sei que tudo na vida tem consequências; depois porque tem um negócio chamado dinheiro nesta vida e outra, que não queria mais ser mãe. Ou achava q não queria.

Vc descobrir que não se governa, q não é totalmente dona do seu destino, quando acredita piamente q o é... foi das coisas mais difíceis que eu enfrentei. E foi bem numa época em que estava bombando no trabalho, estava me divertindo horrores, estava amando loucamente, fodendo muito também... me sentindo plena com meu corpo finalmente... então deve ser por isso que eu levei os 9 meses para aceitar que estava grávida de novo.

Nem é tanto por esperar uma menina, é a questão de gestar mesmo. A idéia de ter outra criança aqui me ensinando e me dando amor, é uma idéia que me alegra; eu só não queria passar por toda a odisséia de novo.

Mas agora eu estou feliz. Amanhã ela chega e eu estou imaginando seu cheirinho, seu rostinho, sua pequenez e como eu vou ficar totalmente embriagada pelo seu amor.

As pessoas não sabiam como eu estava. Eu nem tenho vergonha de falar sobre isso, porque aprendi a assumir meus atos desde muito cedo e a não ter vergonha de ser o q sou, independente das opiniões. Além de odiar hipocrisia desde sempre. Então eu vinha bebendo todos os dias e quase que diariamente usando drogas ilícitas de teor proibido também. A ponto de apelar pra Ypioca com suquinho quando acabava a cerveja. Na verdade eu só respeitava os domingos e dias santos.

Eu não quero mais ficar assim. Quero o caminho do meio. Por amor e respeito a mim e aos meus filhos. Daí eu chamar de muleta. Não pensem q eu vou virar uma chata, careta e moralista. Claro q não! Só acho q vc fazer rotina de qualquer hábito q seja, chega uma hora q enche o saco.

Então o caminho do meio significa beber com os amigos, tomar choppinho no fim de semana, de repente usar sim minhas drogas ilícitas de teor proibido se bater a onda de usar, mas não mergulhar em tudo isso. Essa postura só leva a uma coisa: doença. E a Engraçadinha junkie, agora reconhecendo, já estava me dando no saco.

Daí que eu posso olhar pra trás agora e ver que esses 9 meses de cara limpa foram absolutamente para o meu bem. Que Deus, usa de duas formas pra ensinar a gente: ou pela dor, ou pelo amor. No meu caso, Ele foi generoso e me mandou um amor pra me fazer repensar minha postura. Já conheci e aprendi pelo meio da dor e galera, posso jurar pra vcs de pé junto q DÃO É LEGAL! É a pior forma. 



Então, hoje eu estou muuuito feliz, porque amanhã é o grande dia.
Amanhã é o dia em que vou conhecer uma grande mulher, um grande espírito que veio me salvar, me mudar pra melhor e me dar tanto amor quanto eu preciso.

Lourdes está chegando."


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SEGUNDA-FEIRA, 6 DE AGOSTO DE 2012

Essa é a minha história - por Ignez Madrid


Essa é a história de Ignez Madrid, aos 18 anos de idade. Confira!

"Aos 17 anos meus pais passaram por uma separação muito dolorosa, que acabou respingando em mim e em minha irmã, que na época tinha 20 anos.
Eu e minha irmã sempre fomos muito diferentes, personalidades quase opostas, e sempre fomos muito amigas.  Ela sempre foi muito racional, observadora, e introspectiva. Eu, por outro lado, era a irmã passional, aventureira e extrovertida. Durante nossa adolescência eu namorei muito mais, saí muito mais, me diverti muito mais e, certamente, cometi muitos mais erros.
Um dia, saindo da praia, nós conhecemos dois rapazes estrangeiros na faixa de seus 20 anos, que logo descobrimos serem franceses. Como eu e minha irmã falávamos Francês muito bem (nosso pai era Francês), conversamos um pouco enquanto esperávamos o ônibus para casa. A conversa estava muito animada. Um dos rapazes se encantou pelo meu jeito e o outro, pelo da minha irmã. Nos convidaram, então, para passarmos o final daquele dia com eles, visitando alguns pontos turísticos. Obviamente minha irmã disse que não, e eu que sim, mas, depois de uma rápida discussão em Português, ela concordou em me acompanhar.
Passamos um dia maravilhoso, muito divertido. Fiquei feliz de ver que minha irmã se divertia também.  Estávamos em plena sintonia, os quatro jovens, e marcamos de beber um chopp e sair para dançar naquela mesma noite.  Fomos para casa, eu e minha irmã, e os rapazes voltaram ao hotel onde estavam hospedados. À noite nos encontramos novamente e nos divertimos mais ainda do que durante o dia. Com tudo convergindo a nosso favor, eu me senti completamente apaixonada por um dos rapazes e acredito que recíproca era verdadeira.
No dia seguinte eles voltariam para a França, então trocamos telefones, nos despedimos e voltamos para casa (não que eu quisesse que a noite tivesse terminado dessa forma, mas por pura insistência da minha irmã).
Para minha surpresa, no dia seguinte recebi uma ligação do rapaz que estava apaixonada, dizendo que seu amigo havia embarcado, mas que ele não foi porque estava apaixonado por mim e não queria voltar ao seu país sem mim. Lembro como se fosse ontem a sensação maravilhosa de adrenalina que senti, que só as pessoas com espírito aventureiro sabem como é.
Dois dias depois eu embarquei com ele rumo à Paris. Não avisei a ninguém, simplesmente fiz minhas malas, peguei meu passaporte, e viajei. Durante o voo passei muito mal, acho que de nervoso por estar praticamente fugindo, largando minha mãe e minha irmã sem ao menos ter me despedido. Hoje sei que aquilo foi uma fuga pra mim, fuga da situação insustentável que tínhamos em casa após a separação dos meus pais. Eu não mencionei antes, mas minha mãe ficou muito deprimida com a separação, a ponto de não querer tomar banho, nem sair da cama, de forma que eu e minha irmã passamos a cuidar dela e de toda a estrutura da casa. Claro que já éramos moças e deveríamos saber cuidar de uma casa, mas sempre tivemos empregados, motorista, nunca tivemos que nos virar sozinhas de verdade até então.
Assim que chegamos em Paris, liguei para casa e avisei para minha irmã que havia decidido mudar de vida, que estava apaixonada, e que não pretendia voltar tão cedo. Pedi que avisasse a nossa mãe. Lembro que ela ficou muito triste, mas eu tinha toda uma nova vida para começar a viver, e não queria me preocupar com isso.
Passamos algumas horas em Paris e depois fomos a uma cidade bem menor, para a casa do meu amor. A cidade era linda, limpa, organizada, e eu me senti num filme, mesmo já tendo viajado para muitos países diferentes antes.
A onde meu amor morava era muito charmosa, mas fiquei um pouco decepcionada quando percebi que ele não morava sozinho, como havia me dito no Brasil. Na verdade, a casa não era nem dele, mas de uma família composta por uma senhora, um senhor (marido dela), o filho deles, que devia ter 20 e poucos anos e se vestia todo de preto. Perguntei a ele sobre aquela situação, e ele me disse que a casa era de seus pais adotivos, que o criaram junto com seu filho biológico, o tal cara que se vestia de preto. Achei estranho o fato dele não ter mencionado isso para mim no Brasil, e nem tampouco no longo voo que tivemos juntos, mas logo me distraí com minha vida nova. Meu amor me prometeu que aquela situação seria temporária, e que dentro de algumas semanas estaríamos morando numa casa só nossa.
Eu e a dona da casa nos dávamos muito bem. Eu a ajudava com as tarefas de casa durante o dia, ela me ensinava a fazer patchwork, que era uma de suas paixões. Seu marido trabalhava o dia inteiro e o filho biológico deles só aparecia em casa de vez em quando, dormia muito, comia um pouco, e sumia por mais alguns dias.  Assim foram passando os dias. Eu não fazia mais nada além de sonhar com a nossa casa e nossa vida juntos.
Numa manhã, acordei com os gritos de uma mulher e, apavorada, fui andando devagar até a sala. O que vi foi o cara de preto batendo numa mulher de cabelos loiros. Fiquei apavorada! Ao mesmo tempo em que tive o ímpeto de defendê-la, morri de medo daquele cara esquisito e violento. Alguns segundos depois, o pai dele apareceu em casa, separou a briga e o colocou para fora de casa. A moça de cabelos loiros estava toda macucada, com o nariz sangrando e a maquiagem, muito carregada, toda borrada. Tudo aconteceu muito rápido e naquele dia eu não quis mais sair do quarto. Pela primeira vez, senti um medo muito grande, de ter entrado num mundo bizarro, daquelas pessoas serem traficantes de drogas ou de mulheres, e todas essas coisas que a gente vê na TV. Quando meu amor chegou a casa, relatei a ele o ocorrido, chorando. Ele me disse que já sabia do ocorrido, me explicou que o filho biológico dos donos da casa era desajustado, estava envolvido com drogas e com pessoas de baixo nível, mas que aquele tipo de situação não era típico. Me deu um beijo e prometeu nunca agir de forma violenta comigo. Dormimos abraçados e eu me senti protegida.
Alguns dias depois, estávamos de mudança para nossa casa nova. Era pequena, sem muito conforto, mas era só nossa! Nossa, como eu estava feliz! Diariamente, quando meu amor saía para trabalhar, eu arrumava alguma coisa para fazer na casa – plantava flores no jardim, pintava as paredes, cuidava da decoração, alimentava os peixes. À tardinha eu gostava de me exercitar e corria em volta do quarteirão. Durante minhas corridas, comecei a observar as ruas e a ir cada vez mais longe, aproveitando para conhecer o lugar que morava. No entanto, numa tarde, fiquei completamente perdida. Durante horas corri, andei, mas as ruas já pareciam todas iguais e eu não havia tido o cuidado de anotar meu próprio endereço. Quando achei meu caminho de volta para casa, meu amor estava chegando do trabalho. Fiquei muito feliz ao vê-lo e fui correndo abraça-lo, mas quando ele me viu, toda suada e ofegante, me segurou pelos braços com força e me perguntou onde eu estava. Contei a ele o que havia acontecido, mas ele, de forma ríspida, me disse não acreditar e disse ainda que achava que eu o estava traindo. Disse ainda que se descobrisse que eu estava transando com alguém, que me mataria. Para mim, esse episódio foi ainda mais surreal do que o primeiro, porque aquele homem não era o mesmo homem que eu havia me despedido naquela manhã. Realmente não compreendia o que havia acontecido para que ele mudasse da água para o vinho daquela forma.
Naquela noite eu tomei um longo banho, tentando agregar algum sentido às coisas que estavam acontecendo, mas só consegui8a chorar. Deitei ao lado dele, quieta. Ele me abraçou e pediu perdão. Disse que perdeu a cabeça, que me amava muito e que ficou louco de ciúmes. Prometeu nunca mais agir daquela forma. Eu o abracei, mas o meu alerta começou a funcionar naquele momento.
Pouco tempo depois, descobri que estava grávida. Contei a ele a novidade e ficamos muito felizes! Eu tinha apenas 18 anos de idade, e ele, 22.
Nos mudamos para uma casa maior, em uma cidade muito, muito pequena. A sensação de estar sendo observada era constante. Muitas vezes eu passava e via pessoas cochichando. Não sabia seu estava ficando paranoica ou se aquelas pessoas eram estranhas. Comecei a ficar com muito medo. Me sentia presa. Não tinha amigos, nem vida social. Com frequência meu amor me dizia que chegaria mais tarde em casa e eu ia dormir sozinha. Numa dessas noites, ele chegou em casa com aquela cara que eu temia. A mesma cara que eu havia visto no dia em que me perdi. Nessa noite, ele me puxou da cama com muita violência, me colocou de joelhos no chão, com as minhas pernas abertas, jogou meu tronco na cama e segurou com força, e fez sexo anal comigo, à força. Lutei o quanto pude, mas não tinha a menor chance contra a força dele, ainda mais porque estava grávida. Eu nunca havia feito sexo anal antes, não por uma questão de tabu, mas simplesmente por nunca ter tido vontade.  Essa foi a minha primeira vez.  Quando terminou, ele saiu do quarto e foi tomar banho, e eu quase não tinha forças para levantar, porque minhas pernas estavam bambas e doídas, e eu sangrava e sentia uma dor enorme. Curioso foi que nessa noite eu não chorei. Deitei no sofá da sala, me cobri, e passei a noite olhando para a parede, contando o número de marquinhas que havia nela. Meu amor saiu do banho, deitou e dormiu.



Aconteceram alguns episódios em que ele ficava violento, e depois me dava flores e bombons, dizia que me amava e que não faria novamente. O que eu não sabia é que o pior ainda estava por vir.
Numa tarde melancólica e nostálgica, eu liguei para um amigo, no Brasil, com quem tinha (e tenho até hoje) uma amizade forte e antiga. Quando comecei a contar para ele o que estava acontecendo, meu amor chegou em casa, de surpresa, porque não era seu horário habitual de chegar em casa, me lançou um olhar fulminante e eu me senti coagida a desligar o telefone. Imediatamente ele me perguntou com quem eu estava falando e eu disse a ele que era um grande amigo meu, com quem eu não falava há muito tempo. Ele, então, me puxou pelos braços e me arrancou do sofá. Fiquei apavorada e implorei que ele não me machucasse. Ele me acusou de traí-lo, de ser uma puta, me jogou no chão do quarto, sentou-se sobre as minhas pernas e me bateu muito. Foi uma cena típica dos filmes hollywoodianos, com direito a tapas na cara, socos nas costelas e chutes – muitos chutes – na minha barriga (eu estava grávida). Durante um segundo, tive tempo de correr e ligar para a polícia, mas ele arrancou o telefone com fio e tudo. Desesperada, me tranquei no banheiro. Ele batia na porta, com muita força, dizia que eu não tinha para onde correr, que arrombaria a porta e seria pior. Naquele momento, eu tinha duas opções: ou abrir a porta e morrer de tanto apanhar, ou me jogar pela janela do banheiro, que era inteira e grande, ficar seriamente cortada, mas sobreviver. Achei a segunda opção melhor e já estava prestes a me jogar, quando avistei dois policiais chegando. A sensação que eu tive foi de felicidade plena. Havia a possibilidade de eu não morrer naquele dia!
Os policiais já entraram na casa e o algemaram. Fui, com outra policial, a um lugar que não me recordo ser uma delegacia, ou um hospital. Na verdade poderia ser até um circo, porque eu estava tão catatônica com toda aquela situação que não fazia a menor diferença. Lembro que me fizeram muitas perguntas e examinaram meu corpo, que já estava todo marcado. Ao redor do meu pescoço havia um colar preto, causado pelas mãos do meu amor tentando me enforcar.  Perdi o bebê, que estava morto dentro de mim. Tive que passar por um processo parecido com um aborto, para que o feto não ficasse dentro de mim. Lembro de rostos me olhando, de sangue entre as minhas pernas, de paredes brancas. Depois disso fui levada para um lugar onde só havia mulheres, algumas com filhos. Me disseram que, para minha segurança, eu não poderia ter o endereço de onde estava, nem o telefone. Não lembro quanto tempo fiquei ali, nem o que fiz nos dias em que permaneci ali, nem como saí de lá. Esse trecho da história foi completamente bloqueado na minha mente.
Hoje tenho duas filhas, moro no Brasil, e tenho uma vida muito boa. Fiz anos de terapia para me recuperar de todo o trauma por que passei e não me considero uma mulher traumatizada. Eu e minhas filas vivemos bem, temos muitos momentos felizes. A mais velha, que está com 14 anos, sabe dessa história.
Saí de casa com 18 anos de idade. Uma menina que se achava madura, pronta para enfrentar o mundo. Voltei uma mulher."


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