domingo, 11 de novembro de 2012

O processo do amadurecimento

É curioso essa coisa do crescer, do amadurecer.

Eu mesma acho que comecei a amadurecer depois dos 28 anos de idade, mesmo tendo sido mãe aos 20. E percebi esse processo porque, como quase todas as coisas na minha vida, não foi uma transformação suave, lenta, mas sim uma coisa do dia pra noite.

As coisas que fazemos sem nem perceber são inúmeras! Repetimos as ações que foram feitas conosco e padronizamos comportamentos até mesmo quando temos repulsa deles. É necessário muita vontade de se conhecer, se olhar no espelho e, eventualmente, se enxergar como uma total farsa, para renascer das cinzas como uma Fênix linda, novinha em folha, versão melhorada.

Uma das coisas mais difíceis que o espelho me disse (e esse espelho foi bem vindo após a decisão de fazer terapia) foi que havia alguma coisa errada na minha maneira de me relacionar com os homens. Bem, acredito que tudo tenha começado há anos atrás, ainda criança.

Minha memória mais forte da primeira infância é a seguinte: eu, de joelhos no banco traseiro de um carro, olhando pela janela grande e com listras finas e pretas de trás, dando tchau para o meu pai, que ficava cada vez menor, em pé no portão da minha casa. Não sei se foi realmente muito dolorosa essa sensação ou se eu a fantasiei ao longo dos anos, mas creio que me senti raptada. Roubada por aquela pessoa estranha que dirigia o carro, tendo minha mãe como cúmplice, ao lado dele.


Depois disso, nunca mais consegui ver meu pai com a frequência que eu gostaria. Lembro de esperá-lo, toda arrumada, e ele não aparecer. Lembro de uma carta que ele me deu no meu aniversário de 8 anos, que eu chorei muito ao ler. Aquelas letras no papel me diziam que ele me amava muito, e algumas outras coisas sobre a vida que eu não compreendi. 

Os anos foram passando e eu fui me agarrando ao pouco que tinha do meu pai. Eu o observava muito: o jeito de andar, de falar pouco e só dizer as coisas certas. Ele sempre acertava tudo. Era tão inteligente!Era tão agradável estar com ele!

Aos 10 anos de idade eu já era uma moça completa, fisicamente. Já havia ficado menstruada e tinha o corpo escultural. Foi nessa época que eu tive a oportunidade de passar 1 mês inteiro na casa nova do meu pai. Era na praia. Parecia uma casa de filme, ou de revista de design e arquitetura. Durante esse verão, coisas diferentes aconteceram: brincando com a filha do caseiro da casa ao lado, eu, ela, mais 3 crianças, fomos interrompidos em nossa brincadeira pelo tio da menina, que pareceu muito legal e divertido e sugeriu que brincássemos de pique esconde. Por sugestão dele também, todos se esconderiam e ele contaria até 20. Quando estava saindo para me esconder também, ele me pediu que o ajudasse a contar, ser seu braço direito. Fiquei com a cabeça contra a parede e comecei a contar, alegre em ajudar. De repente senti a mão dele no meu seio direito, por debaixo da minha blusa. Me prendendo contra a parece, ele sussurrou no meu ouvido que eu não contasse para ninguém, que apenas relaxasse porque era bom. Na primeira oportunidade que tive, no entanto, me abaixei e passei por entre as pernas dele e corri para casa. Tudo foi muito rápido. 

Antes de tocar a campainha, respirei fundo e tentei diminuir as batidas do meu coração, porque não queria que ninguém soubesse o que havia acabado de acontecer comigo. Toquei a campainha, meu pai abriu o portão, me perguntando, de cara, o que havia acontecido. Eu disse que estava cansada, que havia corrido muito e que precisava beber água, só isso. Ele me segurou pelo braço e exigiu que eu contasse para ele o que havia acontecido, com uma expressão muito diferente no rosto. Eu contei, chorando. Acho que o choro foi mais pela voz dura e brava do meu pai, do que qualquer outra coisa. Ele soltou os meus braços, entrou em casa, saiu com a arma nas costas em direção a casa da vizinha, e bateu o portão. Eu nunca tive coragem de perguntar o que houve. Nós nunca falamos a respeito do acontecido.

Dois dias depois, ele me chamou no jardim da casa, muito extenso, que dava para a areia de uma praia particular, deserta. Me explicou que era importante eu saber me defender, porque ele não estaria sempre por perto, e que eu nunca deveria confiar em ninguém de cara. Me mostrou uma arma calibre 38, pesada e assustadora e me mostrou como usá-la. Me explicou como mirar, me ensinou a respeito da minha respiração e me mandou que a experimentasse.

Depois desse verão, eu mudei. Eu sabia de coisas que as outras meninas não sabiam, e isso me dava um poder enorme. O fato de não poder contar para ninguém, me fazia sentir muito especial, como parte de uma liga extraordinária e secreta.

Nos meus 17 anos, minha mãe passou por uma separação dolorosa. Ele conheceu outra pessoa, mas negou até o fim, tentando fazer com que minha mãe parecesse maluca, imaginando coisas. Essa experiência colaborou muito para a construção da minha visão sobre os homens. 

Eu cresci com uma idéia muito peculiar sobre o ser masculino. Achava que eles eram fracos e mentirosos, e me acostumei a usá-los. Eu os observava, aprendia sobre seus gostos através de seus gestos e expressões, e os fazia se apaixonarem por mim. Nada disso era premeditado. Era instintivo. 

Escolhi pais para meus filhos que eram verdadeiros fracassos, somente para auto afirmar que os homens são  ruins. Esse processo de auto sabotagem eu só percebi durante meu casamento, já com 30 anos de idade.
Após descobrir essas coisas ao meu respeito, a culpa foi inevitável. É doloroso saber a responsabilidade de o seu filho ter um pai ruim é sua. Por isso, acho que perdoar as pessoas é mais fácil do que perdoar a si mesmo.

Então estou caminhando, crescendo, percorrendo estradas novas com o alerta ligado para não tomar atalhos que me façam ficar perdida. Isso é amadurecer. Tenho 34 anos de idade, muita histórias para contar, e um prazer enorme em estar crescendo.

Por: Bruna Gonçalves



"Amadurecer talvez seja descobrir 
que sofrer algumas perdas é inevitável, 
mas que não precisamos nos agarrar à dor
para justificar nossa existência."
(Martha Medeiros)





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